Portugal precisa de “medir e expor o estado” da Insuficiência Cardíaca

Há muito por fazer na área da Insuficiência Cardíaca em Portugal, desde aumentar a consciência sobre a doença e o seu impacto até à monitorização da informação sobre os doentes e cuidados. Esta é a opinião de um grupo de especialistas que este sábado debateu a insuficiência cardíaca no Congresso Português de Cardiologia 2020.

Em Portugal há 400 mil pessoas com insuficiência cardíaca (IC). Doença que é hoje responsável por uma morte a cada 3.8 horas, que não escolhe género, raça, idade, apesar de estar associa aos mais velhos, mas que é mais comum que o enfarte do miocárdio ou que o AVC. Mesmo assim, ainda não há uma consciência clara sobre o que é e o impacto que tem, alertaram especialistas reunidos numa das mesas redondas virtuais do Congresso Português de Cardiologia 2020 dedicada ao tema da IC, este sábado.

O debate – moderado pelo diretor do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, Filipe Macedo – arrancou em tom de preocupação, com o cardiologista a citar números: “Estima-se que 5% da população portuguesa sofra de IC e que esta percentagem pode subir aos 30% em 2030”. Sara Marques, a primeira oradora, partilhou da mesma inquietação: “É absolutamente crucial olhar para esta doença”. A especialista é representante da Heart Failure Policy Network, uma rede multidisciplinar europeia nesta área e coordenadora do documento “Consenso estratégico para a Insuficiência Cardíaca em Portugal”, apresentado publicamente há um mês, e que resulta do trabalho e discussão de muitos especialistas – médicos, enfermeiros, diretores, administradores de unidades de saúde, associações de doentes, autoridades de saúde, indústria farmacêutica e de dispositivos médicos.

Um documento cujos resultados voltaram a ser referidos nesta mesa redonda do CPC2020 e como sinal de alerta e de urgência em tomadas de decisão.

Segundo explicou Sara Marques foi a primeira vez que um grupo tão alargado e multidisciplinar de especialistas se juntou para debater a IC, diagnosticar falhas e apontar caminhos, definindo como urgente – viria a clarificar mais à frente no debate o chefe do Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, no Porto, José Silva Cardoso – a criação de uma campanha de sensibilização nacional.
O documento alerta ainda para a necessidade de dar mais formação a todos os profissionais de saúde diretamente envolvidos no tratamento dos doentes com IC, de estabelecer uma rede de referenciação melhor oleada, de apostar no empoderamento destes doentes, de melhorar os cuidados paliativos e apostar nos hospitais de dia, de comparticipar os testes de diagnósticos da doença.

Mas, acima de tudo, a importância do trabalho realizado por este grupo vasto de especialistas – e como foi muito destacado por este painel de oradores – está no facto de ter conseguido fazer uma radiografia atualizada sobre o estado da IC em Portugal.

“Temos um novelo de coisas muito complexas para resolver e temos de encontrar a ponta do novelo. A ponta do novelo é: medir e expor o estado das coisas”, sugeriu José Silva Cardoso, em linha com o especialista espanhol e insuficiência cardíaca, Jose Ramon Juanatey, que realçou os benefícios de uma informação transparente.

Ramon Juanatey trabalha no Hospital Universitário de Santiago de Compostela e, como tal, o seu contributo incidiu especialmente na partilha da experiência espanhola. “Há que definir parâmetros de qualidade, primeiro”, aconselhou o médico aos colegas portugueses. “Em Espanha, os hospitais têm de reportar os dados da IC ao ministério da Saúde para continuarem a receber uma determinada verba, por isso, estes dados estão centralizados e são enviados para todos os hospitais para termos noção do que se está a passar”, disse o médico em resposta a uma pergunta da presidente do Congresso, Brenda Moura, também presente na sala virtual.

Assim, os médicos espanhóis sabem quantos doentes com IC tratam por ano, quantos precisam de internamentos, quantos voltam ao hospital ao fim de 30 dias. “É uma filosofia de qualidade”, explica. “Muitas pessoas têm medo de medir [estes indicadores] por medo [dos resultados], mas medir é uma oportunidade para melhorar. É importante sabermos se estamos a tratar melhor ou pior e comparar o trabalho de cada hospital com o hospital que tem melhores resultados para ajustarmos métodos”.

José Silva Cardoso viu de imediato a pertinência deste “prometedor avanço”, como o classificou, e pediu a palavra para dar conta disso mesmo. “Em Portugal, não temos um sistema de extração de dados automáticos e seria uma área importante de desenvolver”.

Desta vez a resposta veio do lado do sistema, neste caso do diretor do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares que esclareceu que a Direção-Geral da Saúde está a trabalhar numa plataforma digital onde figurarão os dados nacionais sobre a IC, à semelhança do que já acontece com outras doenças, como o AVC. “Já está a ser uniformizado. O que é preciso é que os hospitais preencham a informação”, completou, desejando que haja cada vez mais ação nesta área, principalmente depois da divulgação do documento consenso sobre a IC.

“Agora que temos um projeto temos de atuar”, pediu em jeito de conclusão a presidente do Congresso Português de Cardiologia. “Temos de começar a medir e a agir”.