“As pessoas sobem as escadas, ficam cansadas e pensam: estou a ficar velho. Este sintoma pode não ser da idade. Pode ser insuficiência cardíaca [IC]”, alerta Sara Marques, representante da Heart Failure Policy Network, durante o colóquio “Tempo de agir – Portugal, 400 mil doentes com IC: organizar, agora!”, que decorreu ontem num hotel de Lisboa, integrado na reunião anual do Grupo de Estudos de IC da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC).
O coração funciona como uma bomba. Uma bomba que não pode falhar. Há quem viva meses ou anos com o cérebro desligado, mas dos 60 batimentos cardíacos por minuto não é possível prescindir. A insuficiência cardíaca é um intervalo nestes batimentos, é uma falha na bomba, que não leva sangue suficiente ao organismo. Três minutos já são fatais, independentemente da idade.
Mais do que isto. A IC é uma doença silenciosa, desconhecida e de difícil diagnóstico. Por isso, alertam os especialistas, é tempo de agir. Em Portugal, existem cerca de 400 mil pessoas com IC e estima-se que em 2060 este número possa atingir o meio milhão. O cardiologista José Silva Cardoso, presidente do GEIC, explicou que “quem sofre com a doença fica com a capacidade cognitiva e a vida sexual comprometidas, e tem frequentemente depressões.
Quer pela falta de qualidade de vida quer pelo efeito dos medicamentos que tomam para prevenir o avanço da doença.” Nos casos mais complicados, os doentes deixam de conseguir trabalhar com os internamentos sucessivos. Durante o colóquio, os especialistas na mesa reforçaram o impacto da doença, lembrando que esta é a terceira causa de hospitalização e a primeira para os doentes com mais de 65 anos. Ou seja, 83% dos doentes acabam por ser internados, pelo menos uma vez, depois do diagnóstico e em média durante 12 dias. Neste espaço de tempo, um em cada dez já não sai do hospital. “Acabam por morrer”, ressalvaram. O que faz da IC “uma das doenças mais mortíferas em Portugal”, embora alguns médicos, a sociedade civil e até mesmo os decisores políticos não tenham muito esta noção. Silva Cardoso referiu mesmo que “mata mais do que o enfarte do miocárdio, do que o acidente vascular cerebral (AVC) e do que os cancros da mama e do cólon (os mais mortíferos, em Portugal)”.
“As pessoas sobem as escadas, ficam cansadas e pensam: estou a ficar velho. Este sintoma pode não ser da idade. Pode ser insuficiência cardíaca”
Mas, apesar do nível de incidência, a IC ainda não está devidamente estudada no nosso país, mas também a nível mundial. Em Portugal, falta sobretudo estruturar e articular os cuidados de forma mais eficaz para se responder às necessidades do doentes. E, neste ponto, o painel ouvido neste colóquio foi unânime: os doentes são empurrados de uma unidade de saúde para outra, por falta de centralização de competências, defendendo todos que é preciso uma maior colaboração entre os cuidados de saúde primários e os de ambulatório. Victor Gil, presidente da SPC, lembrou que “o médico não pode se r um burocrata que tome notas, mas alguém que olhe para o doente e que faz um diagnóstico”, no entanto, argumentou, muito se evoluiu nos últimos anos nos cuidados primários. Para Silva Cardoso, “o ideal seria criar uma equipa homogénea com médicos, enfermeiros, psicólogos, fisiologistas, para acompanhar os doentes”. O que já acontece “nos Estados Unidos e na Catalunha, onde isto foi testado e diminuiu os internamentos”.
Pior do que a desorganização dos cuidados é a falta de conhecimento da população em relação à IC. “O desconhecimento é o maior inimigo do diagnóstico da doença. Ninguém sabe verdadeiramente o que é a insuficiência cardíaca”, referiu Luís Filipe Pereira, presidente da Associação de Apoio aos Doentes com IC (AADIC). Propondo mesmo que se lance uma campanha de sensibilização sobre este tema. A Direção-Geral da Saúde (DGS) prepara-se para dar um passo neste sentido. A IC e o AVC (que têm vindo a revelar um aumento do número de mortos) são as principiais linhas de ação do Programa Nacional para as Doenças Cerebrocardiovasculares da DGS para os próximos três anos, anunciou o responsável pelo programa, o cardiologista Filipe Macedo.
Os especialistas com participação neste colóquio concordaram também ser importante divulgar à população a ideia clara sobre o que é esta doença, quais são os seus sintomas e como se pode preveni-la. Uma alimentação cuidada, a prática regular de exercício físico, o afastamento de comportamentos de risco, como o tabaco e o álcool, são os primeiros passos para um coração saudável.