“Vivemos numa sociedade onde as pessoas vivem até mais tarde, trabalham até mais tarde e não vivem necessariamente com melhor qualidade de vida”, assumiu o secretário de Estado adjunto, do Trabalho e da Formação Profissional, Miguel Cabrita, nesta quinta-feira, na abertura do terceiro e último dia de debate do Ciclo de Conferências sobre Insuficiência Cardíaca – Uma Estratégia para Portugal.
“Todas estas questões contribuem para uma maior incidência de doenças na população”, começou por enquadrar Miguel Cabrita, num vídeo gravado antes do debate por não poder estar em direto na sessão subordinada ao tema: “IC – Um olhar profissional e sistémico”.
Este foi o último tema em discussão no âmbito deste ciclo de webinars, iniciado na terça-feira pelo Global Media Group , com o apoio da Novartis e da Medtronic, onde foi apresentado um documento de consensos que avalia o contexto da insuficiência cardíaca (IC) no nosso país e que define uma estratégia nacional para lidar com a doença e com os doentes.
“Temos aqui uma equação sistémica”, diagnosticou o governante, que aproveitou a oportunidade para fazer um apelo às boas práticas empresariais. O secretário de Estado adjunto, do Trabalho e da Formação Profissional pediu aos empregadores que tivessem em conta a saúde dos empregados, numa altura em que o teletrabalho se tornou essencial e a diferença entre o horário laboral e o tempo de descanso se esbate, comprometendo a saúde dos cidadãos.
“Não podemos permitir que a necessidade de dar respostas de curto prazo [à pandemia de covid-19] oculte ou deixe para segundo plano a necessidade de uma estratégia mais estrutural”, disse a propósito da prevenção da IC, que passa, em primeiro lugar, pela adoção de estilos de vida mais saudáveis através da alimentação, do exercício físico, do combate ao sedentarismo, evitando comportamentos de risco como o tabagismo.
A prevenção foi uma das palavras -chave do debate que se seguiu, moderado pelo jornalista Paulo Baldaia, e que juntou dois oradores com funções na administração pública da saúde, um representante dos doentes e outro dos administradores hospitalares. Outros temas recorrentes ao longo da conversa foram a necessidade de melhorar o acesso dos doentes aos cuidados, aumentar o nível de organização dos serviços, articulando-os melhor entre si, e garantir uma linha de financiamento dedicada a esta patologia mais substancial e bem aplicada.
Melhorar o acesso
Luís Filipe Pereira foi o primeiro a colocar a questão do acesso dos doentes aos cuidados de saúde ou não fosse o presidente da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca (AADIC). O antigo ministro da Saúde denunciou que, apesar de o Serviço Nacional de Saúde ter uma base universal, perpetua, através das listas de espera, um sentimento de desigualdade nos doentes.
Segundo Luís Filipe Pereira, três milhões de portugueses contratualizaram um seguro de saúde, sem contar com os beneficiários da ADSE, mas, defende, isto não pode ser justificável para a falta de resposta do Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Temos problemas graves no SNS e o acesso é um deles. Temos, por exemplo, uma elevada carga de pessoas sem médicos de família”, continua o representante dos doentes. E, na sua opinião, para melhorar o atendimento das pessoas com IC é preciso investir na informação para que a sociedade saiba o que é esta doença – em que o coração para momentaneamente – para que a comunidade médica possa fazer diagnósticos precoces e monitorizar de forma adequada os doentes e consoante as necessidades.
Estas palavras são secundarizadas pelo presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço, que defendeu que “o SNS com melhor organização conseguiria resolver os problemas de acesso”. Alertando para o de facto de “não podermos iniciar o processo pelo telhado”. “Precisamos de mais financiamento nos cuidados, mas também não há uma estratégia, não há um manual. Temos uma grande dificuldade em estabelecer os processos a seguir.”
Novidades para os próximos tempos: reforço na telemonitorização
Já o presidente dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) argumenta que “acima de tudo o que falta é continuarmos a fazer o que se está a fazer”. Luís Goes Pinheiro refere-se ao programa de telemonitorização dos doentes crónicos. Um programa “ambicioso” que já está no terreno, mas que, admite, precisa de ser “acelerado ao máximo”.
Luís Goes Pinheiro apresenta a telemonitorização como uma forma de melhorar a vigilância dos doentes com IC, evitando casos mais graves de descompensação, que acabam em hospitalizações. “Temos de seguir esse caminho”, aponta, acrescentando que para isso é preciso continuar a fazer um esforço para que esta forma de tratar os doentes não esteja “disponível apenas nos hospitais que contratam este tipo de serviços, mas que esteja, por exemplo, também nos cuidados de saúde primários”.
“O que é preciso agora é ação”, e promete que esta acontecerá em breve. “Haverá novidades significativas no âmbito da telemonitorização”, que deverão incluir o “alargamento e a democratização no acesso” aos cuidados de saúde, anunciou.
Financiamento, sim. Mas só para uma resposta integrada
Pela parte que lhe toca, Ricardo Mestre, vogal do conselho diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), também concorda com a necessidade de melhorias num futuro próximo e admite que estas tenham de passar por um aumento do financiamento para a IC, um tema abordado pelo segundo dia consecutivo neste ciclo de conferências. Mas não espera que o desbloqueio de alguma verba possa ser feito de forma isolada, para esta ou para aquela unidade em particular. Tem de haver sempre “uma abordagem integrada”, disse.
“O financiamento é uma alavanca importante, mas mais do que financiar um ato isolado temos de pensar num comportamento de partilha” e “procurar a melhor relação custo-efetividade”, continua.
Ricardo Mestre considera também que faz sentido a questão colocada nesta quarta-feira pelo moderador do debate sobre a apresentação de resultados para atribuição de financiamento. “É importante partilharmos o risco da prestação de cuidados adequados” em que o fundamental é a satisfação do doente.
No final destes três dias de debates, a palavra essencial vai para os doentes, que têm neste processo toda a importância e que devem, cada vez mais, estar integrados no seu processo de tratamento, defenderam os especialistas que passaram pelo ciclo de conferências. Se estes estiverem devidamente informados, poderão monitorizar melhor também os sintomas e até evitar chegar a estádios da doença mais graves, através da adoção de um estilo de vida mais saudável.
No final, ficou também a mensagem de que cada um de nós tem uma responsabilidade individual na promoção da saúde e na prevenção da doença, mas também que o documento de consensos, elaborado por médicos, enfermeiros, diretores e administradores de hospitais, de centros de saúde, por representantes da indústria farmacêutica e tecnologia médica, “não fique na gaveta”, tal como já aconteceu com outras iniciativas.